Dois braços se roçam em meio a um jantar, sem que ninguém em volta perceba. O calor de um corpo e do outro, um acontecimento entre dois silêncios, uma faísca entre dois nadas: promessa de infinito em poucas horas. Posso te dar uma carona? Dentro do carro, os sussurros substituindo a conversa que se deve evitar sobre parentes, fraturas antigas do coração, se ele passou sempre por média ou se ela quebrou um braço no colégio, dois nomes que não demorarão a ser esquecidos, duas bocas que nunca mais se encontrarão, a improbabilidade tornada real e aliada, dois corpos sem idade, um resto de adolescência se infiltrando na maturidade, dois estranhos olhando-se nos olhos sem se reconhecer, mas confirmando o mistério de estar vivo, um piano tocando em sua cabeça, na cabeça dele talvez uma guitarra, na cabeça do mundo tudo é quietude e sofreguidão.
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